Arte Marcial, Filosofia e a busca da Virtude


Desde quando eu era criança, admirava profundamente as artes marciais, sobretudo o Kung Fu. Porém, acima da estética ou arte visual, eu me encantava também pelos principios que, naquele tempo, embora eu soubesse da transigência de alguns, me pareciam indissociáveis da correta arte marcial. A própria filmografia disponível sobre isto trazia sempre este carácter moral: no final, ganhava o que era mais íntegro.

Esta associação nunca me pareceu meramente acidental. De fato, arte marcial e integridade sempre me pareceram muito unidos. Algo muito semelhante se dá no campo da filosofia. Ao estudar os primeiros filósofos (Tales, Anaximandro... Sócrates, Platão, Aristóteles), vê-se claramente uma preocupação moral, uma busca da virtude, sendo esta encarada, tantas vezes, como pré-condição para a reta filosofia. Claro que havia exceções, como o Diógenes, para ficar somente num. Mas, ao largo dessas excentricidades, a filosofia e a virtude pareciam andar de mãos dadas.

Na modernidade, porém, estas relações enfraqueceram. Muitos há que praticam artes marciais com o intuito de se envaidecerem, de demonstrarem a sua superioridade, seja no tamanho estético dos músculos, seja na agressividade, sem notar que, com isso, demonstram também a sua superioridade na imbecilidade. De outro lado, os novos alunos de filosofia são quase aconselhados a terem vida imoral, a serem beberrões e a encararem a preocupação moral dos antigos filósofos como traços meramente culturais e ingênuos, resquícios de uma civilização dominada pelo mito e pela superstição.

No entanto, embora poucos dêem o devido valor a estas relações, isto não significa que elas tenham se tornado falsas, ou que não sejam mais seguidas por ninguém. Fico feliz em notar que há sim pessoas adeptas desta forma de encarar as coisas e que perpetuam a retidão tanto do filosofar quanto da arte marcial.

Sobre a filosofia, a busca da virtude e o aprofundamento na compreensão desta se deu, sobretudo, com o advento do cristianismo. Primeiramente na Patrística, com especial destaque em Sto Agostinho (eu mencionaria ainda S. Justino pois sua busca pela verdade filosófica e como a encontrou somente depois de se ter tornado cristão é, aqui, muito ilustrativa); depois, com o surgimento da escolástica e o seu coroamento com S. Tomás de Aquino que deu à humanidade uma edifício filosófico incomparável e, até hoje, inalcançado.

Na arte marcial, também sempre houveram os que faziam abraçar a sua prática com a busca da integridade. Encontraremos esta relação, sobretudo, nas artes mais tradicionais. O Morihei Ueshiba, por exemplo, considerava a sua arte, o Ai Ki Do, como uma forma possível de se chegar a Deus. Isto lhe incutia toda uma preocupação moral. Os antigos mestres selecionavam os seus alunos e, à medida de suas virtudes, eram ensinados mais ou menos profundamente. 

Muitos considerarão ingenuidade este tipo de associação. Terão, estes, a arte marcial como um  mero meio de bater nos outros. Mas isto é um reducionismo ridículo. Já bem dizia o famoso Bruce Lee que, tudo quanto aprendera como ser humano, era provindo da arte marcial. Podemos aprofundar ainda mais a questão fazendo notar que há sempre uma motivação para o praticante se enveredar por estes caminhos. A mais frequente delas, infelizmente, parece ser a vaidade e, à exceção dos combates organizados com vistas a ganhar o próprio sustento, esta parece ser a grande inspiradora dos inúmeros campeonatos marciais.

De outro lado, há o cultivo da saúde, a admiração pela beleza da arte, a busca da integridade e demais valores identificados numa arte marcial, etc. Convirá ao instrutor identificar a motivação do aluno e, a partir daí, corrigi-la ou não.

Sigo crendo que uma reta motivação pode contribuir para a excelência e retidão de uma prática marcial. Porém, para identificar uma motivação como reta ou não, é preciso se estabelecer um critério para fazê-lo. Eu mantenho a moral tradicional, fundamentada na cultura cristã, que assume como valores irrenunciáveis a humidade, a constância, a reta intenção, a cordialidade.

Fábio.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS